Os desgostos de amor são horríveis. E, por serem horríveis, as pessoas
dizem que fazem parte; que são o preço; que são um caminho; que dão
força e fazem crescer. Tal é o medo de aceitar a totalidade da tragédia
que são, que se chega ao ponto de ver os desgostos de amor como um rito
de passagem não só para a humanidade como para o próprio amor – o que é
muito mais grave. É sempre outrem que fala assim levemente, alguém que,
se calhar, nunca teve um desgosto de amor digno do nome ou, se o teve,
já o esqueceu e, ao esquecê-lo, provou que nunca amou, por muito
desgostoso que tenha ficado. Porque também existe o desgosto de ser
abandonado por alguém de quem nos habituáramos a fugir, e de já não ser
amado por quem nunca amámos. Mas isso é um simples desgosto que nada tem
a ver com o amor. Já um desgosto de amor é um desgosto completo: uma
desilusão e uma angústia; uma frustração de quase não existir, que
começa por nós próprios, num incêndio de chuva que vai por aí afora até
estragar o mundo inteiro, incluindo o que mais se queria proteger: a
pessoa amada. Os abutres da consolação pretendem reclassificar os
desgostos e ofender o amor e, distraídos pelo prazer necrófilo de
cheirar, mesmo numa pessoa amada, a morte do amor alheio – tão secreta e
infinitamente invejado! -, chegam a dizer as três palavras mais
estúpidas, cruéis, inúteis e indignas daquelas circunstâncias: “Foi
melhor assim.” Acrescentando, às vezes, mais duas: “Deixa lá.” Como se
pudéssemos responder: “Boa ideia – vou deixar!” Os desgostos de amor
estragam a alma. É preciso ter muito medo deles. Respeito. Cuidadinho.
Tratar o amor nas palminhas. Mesmo antes de chegar a pessoa que se vai
amar. É que os corações partidos ficam partidos. Deixam de poder amar.
E, em vez de amar, tornam-se músculos leves e cínicos, trocistas e
elegantes. Pode até ser muito giro ser assim. Mas está para o amor como o
gosto duma pedra de sal está para o mar. E às vezes ainda é mais
triste: é o próprio gosto pelo amor, como quem gosta de um prazer
qualquer, que mata o amor – a possibilidade de amar – logo à nascença.
Será este o único desgosto, por muito caladinho que seja, tão grande
como um desgosto de amor.
Fotografia: Jean Baptiste Mondino
Ouve-se: James Blunt - Carry you home
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