sexta-feira, agosto 21, 2009


"Cada página que escrevo vai numa garrafa de naufrago lançada da praia. Carta solitária suplicando resgate. Uma vida á deriva. A outra praia qualquer chegará a mensagem. Alguém que passeia, curioso, sobre a garrafa, lê a carta e, espantado, vê-se ao espelho e reconhece o autor.
É preciso afirmar aquilo em que se acredita. É preciso usar as grandes palavras: fé, amor, vergonha, coragem. É preciso dizer que a paixão, mais do que a razão, redime e nos torna santos.
E, sem pudor dos afectos, confessar que sinto muito."
Nuno Lobo Antunes
Sinto muito

sexta-feira, agosto 14, 2009


"Na vida [...] todos têm direito a um grande amor. Uns achá-lo-iam num cruzamento perdido e com ele seguiriam até ao fim do caminho, teimosos e abnegados, até que a morte desfizesse o que a vida fizera. Outros estavam destinados a desconhecê-lo, a procurar sem o descobrirem, a cruzar-se numa esquina sem jamais se olharem, a ignorar a sua perda até desaparecerem na neblina que pairava sobre o solitário trilho para onde a vida os conduzira. E havia ainda aqueles fadados para a tragédia, os amores que se encontravam e cedo percebiam que o encontro era afinal efémero, furtivo, um mero sopro na corrente do tempo, um cruel interlúdio antes da dolorosa separação, um beijo de despedida no caminho da solidão, a alma abalada pela sombria angústia de saberem que havia um outro percurso, uma outra existência, uma passagem alternativa que lhe fora para sempre vedada. Esses eram os infelizes, os dilacerados pela revolta até serem abatidos pela resignação, os que percorrem a estrada da vida vergados pela saudade do que poderia ter sido, do futuro que não existiu, do trilho que nunca percorreriam a dois. Eram esses os que estavam indelevelmente marcados pela amarga e profunda nostalgia de um amor por viver"

José Rodrigues dos Santos
A Filha do Capitão