sábado, fevereiro 13, 2010

Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles a boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
objecto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
que te quer. Soprá-la para dentro de ti
até que a dor alegre recomece.

(Maria Gabriela Llansol - O Começo de um livro é precioso)

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Aos 77 anos, como é natural, aparecem-nos todas as mazelas. Insignificâncias: uma dor aqui, uma dor ali, nas costas, na perna, na cabeça, uma pequena coisa na pele, na unha, no olho. Não ligo nenhuma. Porque a minha pior mazela é não acreditar que tenho 77 anos. Eu bem me farto de dizer aos quatro ventos a minha idade, para ver se interiorizo esse facto, mas, por dentro, estou na casa dos trinta, vá lá quarenta e não passo dai.

Setenta e sete anos? Que loucura!!!

Tenho sempre tanta coisa para fazer, para acabar, para ler, para escrever, tanto lugar para visitar, tanto museu para ver e depois as mazelas – ai! – Mas vou, porque tenho trinta anos, e evidentemente, tenho que ir.

Não tenho noção de ser uma senhora velha. Digo estava lá uma velhota ou Imaginem que uma velha…Estou a falar de pessoas provavelmente mais velhas do que eu, mas não me enxergo. Até quando irá durar esta idade subjectiva que não me deixa envelhecer tranquilamente?

Só quando me oferecem o braço (já cai na rua e parti a perna, mas nem assim…), quando me sentam no lugar de honra à mesa, quando me dão o assento da direita no automóvel, quando não me dirigem galanteios (que estranho!), acordo para a realidade: ai, é verdade, tenho 77 anos, que maçada…

Ultimamente, tive (ou tenho, ainda não percebi) cancro da mama. Como acho que deus não me ia mandar esta doença só para me chatear, abri uma campanha de sensibilização (televisão incluída), para que as mulheres façam mamografias. Transformei a porcaria da doença numa coisa positiva. Passei os trâmites habituais: operação, radioterapia, etc. tudo pacífico. Ainda por cima, o médico disse-me que era pouco provável que o cancro me matasse, porque, na minha idade, as células já não são o que eram… Ai, sim?

Tenho 77 anos, que Alegria!...

Rosa Lobato Faria