segunda-feira, abril 30, 2012

"Sacudiu o pó
tratou cuidadosamente a ferida do joelho
reuniu os bocadinhos das suas asas
colou-as com paciência
e pendurou-as na parede da sala
como recordação."
António Pedro Pita - Melancolia Dupla
Fotografia:Peter Lindbergh



quinta-feira, abril 26, 2012



"Desafio é saber escutar para lá do silêncio e de todo o ruído também."

Ana de Sousa, in Fragmentos
Fotografia: Remus Tiplea 

quarta-feira, abril 25, 2012

Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o significado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer...
Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas nada, nem o bem, nem o mal... e isso é precisamente a velhice.


Sándor Márai - As velas ardem até ao fim
Fotografia: Lee Jeffries

sexta-feira, abril 20, 2012

"O que obviamente não presta sempre me interessou muito."

Clarice Lispector
Fotografia: Helmut Newton

domingo, abril 15, 2012

Querida Helena,
Ver-te não é como ver qualquer pessoa, é ver-me pelos teus olhos.
O que vivemos foi demasiado belo para que nos arrisquemos a perdê-lo na indiferença.
É assim preciso a coragem que torne o nosso afastamento tão belo como o nosso encontro.
Só o silêncio nos poderá agora ajudar. 
O silêncio preservar-nos-á dentro de nós, no sítio onde nos encontrámos e onde continuaremos juntos, muito quietos, a olhar-nos fixamente nos olhos.
 
 Nós não, mas as nossas almas saberão de nós.

Carta de Pedro Paixão a Helena d'Água em Lisboa, 17 de fevereiro 1986
Fotografia: Robert Doisneau

terça-feira, abril 10, 2012

"Eu a amava, em suma. E era infeliz. 
Mas como poderia ela algum dia entender essa minha infelicidade?
Há aqueles que se condenam ao cinzento da vida mais medíocre porque tiveram alguma dor, alguma desgraça; mas há também aqueles que o fazem porque tiveram mais sorte do que poderiam suportar"

sexta-feira, abril 06, 2012


O drama que existiu entre os dois ainda não acabou: ele continua a vir todas as noites a este café para a ver, para reabrir a velha ferida, talvez para saber quem é que a leva para casa esta noite, e ela vem todas as noites a este café se calhar de propósito para o fazer sofrer, ou talvez esperando que o hábito de sofrer se torne para ele um hábito como outro qualquer, adquirindo o sabor do nada que há anos lhe empasta a boca e a vida.




quarta-feira, abril 04, 2012

 
"Não te amo mais
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis
Tenho certeza que
Nada foi em vão
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada
Não poderia dizer mais que
Alimento um grande amor
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais..."

A leitura deste poema também pode ser feita na ordem inversa.
Porque nada é definitivo e tudo, ou quase, é reversível.

Clarice Lispector
Fotografia: Eduardo Oliveira
Ouve-se: Telepatia