sábado, dezembro 18, 2010

Será este o verdadeiro rosto do amor?
"- Anda, vem comigo - ordenou-me.
- Não posso nem devo - disse-lhe eu, levantando-me e seguindo-a. - O doutor Pineau proibiu-mo. Pelo menos durante dois meses, não te posso tocar e muito menos fazer amor contigo. E não te tocarei, nem farei amor contigo, até estares curadinha. Entendido?
Tínhamo-nos metido já na cama dela e ela enroscou-se contra mim e apoiou a cabeça no meu ombro. Senti o seu corpo, que era só pele e osso, e os seus pequenos pés gelados contra as minhas pernas e percorreu-me um calafrio da cabeça aos calcanhares.
- Não quero que faças amor comigo - sussurrou-me, beijando-me no pescoço. - Quero que me abraces, que me dês calor e que me tires o medo que sinto. Estou a morrer de terror.
O seu corpinho, uma forma cheia de arestas, tremia como varas verdes. Abracei-a, esfreguei-lhe as costas, os braços, a cintura, e estive muito tempo a dizer-lhe coisas doces ao ouvido. Nunca deixaria que ninguém voltasse a fazer-lhe mal. Tinha de fazer muita força para se restabelecer depressa e recuperar as forças, a vontade de viver e de ser feliz. E para ficar bonita outra vez. Ouvia-me muda, soldada a mim, percorrida de vez em quando por sobressaltos que a faziam gemer e retorcer-se. Muito depois, senti que adormecia. Mas ao longo de toda a noite, no meu semi-sono, senti-a estremecer, queixar-se, presa daqueles recorrentes ataques de pânico. Quando a via assim, tão desamparada, vinham-me à cabeça imagens do sucedido em Lagos e sentia tristeza, cólera, ferozes desejos de vingança contra os seus vitimários." 
 
Mario Vargas Llosa - Travessuras da Menina Má
 

sábado, dezembro 11, 2010


“As pessoas pensam que uma alma gémea é o seu encaixe perfeito, e é isso que toda a gente quer. Mas uma verdadeira alma gémea é um espelho, é a pessoa que te mostra tudo aquilo que te prende, a pessoa que te chama a atenção para que possas mudar a tua vida. Uma verdadeira alma gémea é, provavelmente, a pessoa mais importante que alguma vez conhecerás porque irá derrubar os teus muros e despertar-te à força. Mas viver com uma alma gémea para sempre? Não. Demasiado doloroso. As almas gémeas entram na nossa vida apenas para nos revelar outras camadas de nós próprios, e depois vão embora.”

quarta-feira, dezembro 01, 2010


“a laura morreu, pegaram em mim e puseram-me no lar com dois sacos de roupa e um álbum de fotografias. foi o que fizeram. depois, nessa mesma tarde, levaram o álbum porque achavam que ia servir apenas para que eu cultivasse a dor de perder a minha mulher. depois, ainda nessa mesma tarde, trouxeram a imagem da nossa senhora de fátima e disseram que, com o tempo, eu haveria de ganhar um credo religioso, aprenderia a rezar e salvaria assim a minha alma.”
Valter Hugo Mãe - a máquina de fazer espanhóis
Queres um cigarro? Eu vou fumar um. Acendo-os agora como tu me ensinaste, com um fósforo grande, deixando que arda durante um bocado até que o sulfato consuma completamente e não estrague o sabor do tabaco....
...não é fácil, eu sei. Hás-de ter sentido a falta de qualquer coisa, da humanidade de um som que te fizesse descer à terra, do calor que a minha voz não tinha. Eu sei. Ninguém vive só de amor e muito menos de um amor quase ausente. Eu sei, eu sei que é estranho este meu modo de ser e de te dizer, em silêncio, que te amo.

Manuel Jorge Marmelo 
foto: olhares.aeiou.pt/CSal

sexta-feira, setembro 17, 2010

Na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu.Depois, a minha irmã mais velha
casou-se. Depois, a minha irmã mais nova
casou-se. Depois, o meu pai morreu. Hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viuva. Cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. Mas irão estar sempre aqui.
Na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
Enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.

José Luis Peixoto

segunda-feira, setembro 13, 2010

Quero-te assim
submissa
Nua
Despida de roupa
e preconceitos
Quero-te assim
na tua nudez
Algemada
Escrava
Sem braços
para me abraçar
Pois estás algemada
Nua
Transpirada
Sedutora
És minha
Todo o teu corpo meu
Todo o teu cárcere é prazer
Na tua nudez submissa
És minha
Algemada Provocante

Toda minha
Submissa...
E minha...

Autor desconhecido
Foto:Carla Broekhuizen 
http://olhares.aeiou.pt

domingo, agosto 01, 2010

 
«Conheço agora alguma da minha capacidade… Sei o que quero fazer com a minha vida, tudo isto sendo tão simples, mas tão difícil para mim sabê-lo no passado. Quero dormir com muitas pessoas – quero viver e odeio morrer – não vou ensinar, nem tirar um mestrado depois de fazer a licenciatura…
Não tenciono deixar que o meu intelecto tome conta de mim, e a última coisa que quero fazer é admirar o conhecimento ou pessoas que detêm o conhecimento! Não quero saber da agregação de factos de ninguém, excepto quando for um reflexo [da] sensibilidade básica que necessito… Tenciono fazer tudo…»

Susan Sontag, in “Renascer” quetzal, 2010
trad. Nuno Guerreiro Josué

sábado, julho 10, 2010


Às vezes penso que se fosse uma magnólia quereria ser um laranjeira, se fosse um águia quereria ser um cavalo ou se fosse um quadro quereria ser uma fotografia. Esqueço-me que devo ser o que sou. Pela evidência de ser o único que tenho e posso ser e, porque, só quando gostar disso é que posso tocar a felicidade e passá-la.
Fico a pensar que perdemos demasiado tempo em querer dar laranjas, em galopar velozmente ou em ser o flash de um instante supremo. Quando, na verdade, o que podemos fazer é chegar a dar muitas e belas flores, voar cada vez melhor ou tornarmo-nos até num Rembrandt.
Cada qual deve acabar por pegar na própria vida nos braços e beijá-la.

Arthur Miller

domingo, junho 27, 2010



Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece. 

Vinicius de Moraes

sábado, junho 05, 2010

Deixa-te estar na minha vida
Como um navio sobre o mar.
Se o vento sopra e rasga as velas
E a noite é gélida e comprida
E a voz ecoa das procelas,
Deixa-te estar na minha vida.
Se erguem as ondas mãos de espuma
Aos céus, em cólera incontida,
E o ar se tolda e cresce a bruma,
Deixa-te estar na minha vida.
À praia, um dia, erma e esquecida,
Hei, com amor, de te levar.
Deixa-te estar na minha vida.
Como um navio sobre o mar.












João Cabral do Nascimento

segunda-feira, abril 12, 2010

Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho
Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio
Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo
Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo
Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo
E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento
Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas
Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas.
Maria Teresa Horta

quinta-feira, abril 08, 2010

"Deixo que a minha vida decorra acompanhada de um sereno, aprazível tédio. Discrição, geometria, elegância e calma. Já não me agito, já não sigo pelo lado mais estúpido da vida, as estrelas são mapas de abismos exteriores, não tolero a solidão, temo a insídia do tempo e da idade, a insónia, o tremor dos limites.
Porque as minhas constantes vitais desta manhã são o sol que saúda os despertares, a descoberta do prazer de ser cortês, a revelação algo tardia de que tudo é excepcional, a entrega de gentileza na relação com as pessoas, a impressão de viver em plena tempestade de calma, a satisfação de ter perdido uns quilos, a gestão da herança literária do antigo ocupante do meu corpo, a abordagem suave de uma lógica espartana do trabalho, a crença de que os gordos são os outros, a utilização da ironia moldada como rasgo de elegância, de tímida felicidade, definitivamente."
Enrique Vila-matas - Exploradores do Abismo

sábado, abril 03, 2010

"Durante anos procuramos encontrar alguém que nos compreenda, alguém que nos
aceite como somos, capazes de nos oferecer a felicidade, apesar das duras
provas. Apenas ontem descobri que esse mágico alguém é o rosto que vemos no
espelho."
Richard Bach

domingo, março 21, 2010

É bom mudar de casa, de janela,
arrumar de outra maneira as ilusões,
tratar de coisas puras como tintas
e sofás, pôr ordem entre os livros
e a vida, simular a liberdade.
Parece-nos possível voltar a acreditar
na mão que nos estende um pé de salsa,
na pechincha da beleza, quando passa
no poente da razão.
Apetece cometer uma loucura,
comprar um telescópio, decorar
o canto nono dos Lusíadas,
subir umas escadas do avesso,
pensar que nunca mais teremos frio.

Mudar de Casa, José Miguel Silva

sábado, fevereiro 13, 2010

Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles a boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
objecto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
que te quer. Soprá-la para dentro de ti
até que a dor alegre recomece.

(Maria Gabriela Llansol - O Começo de um livro é precioso)

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Aos 77 anos, como é natural, aparecem-nos todas as mazelas. Insignificâncias: uma dor aqui, uma dor ali, nas costas, na perna, na cabeça, uma pequena coisa na pele, na unha, no olho. Não ligo nenhuma. Porque a minha pior mazela é não acreditar que tenho 77 anos. Eu bem me farto de dizer aos quatro ventos a minha idade, para ver se interiorizo esse facto, mas, por dentro, estou na casa dos trinta, vá lá quarenta e não passo dai.

Setenta e sete anos? Que loucura!!!

Tenho sempre tanta coisa para fazer, para acabar, para ler, para escrever, tanto lugar para visitar, tanto museu para ver e depois as mazelas – ai! – Mas vou, porque tenho trinta anos, e evidentemente, tenho que ir.

Não tenho noção de ser uma senhora velha. Digo estava lá uma velhota ou Imaginem que uma velha…Estou a falar de pessoas provavelmente mais velhas do que eu, mas não me enxergo. Até quando irá durar esta idade subjectiva que não me deixa envelhecer tranquilamente?

Só quando me oferecem o braço (já cai na rua e parti a perna, mas nem assim…), quando me sentam no lugar de honra à mesa, quando me dão o assento da direita no automóvel, quando não me dirigem galanteios (que estranho!), acordo para a realidade: ai, é verdade, tenho 77 anos, que maçada…

Ultimamente, tive (ou tenho, ainda não percebi) cancro da mama. Como acho que deus não me ia mandar esta doença só para me chatear, abri uma campanha de sensibilização (televisão incluída), para que as mulheres façam mamografias. Transformei a porcaria da doença numa coisa positiva. Passei os trâmites habituais: operação, radioterapia, etc. tudo pacífico. Ainda por cima, o médico disse-me que era pouco provável que o cancro me matasse, porque, na minha idade, as células já não são o que eram… Ai, sim?

Tenho 77 anos, que Alegria!...

Rosa Lobato Faria

sábado, janeiro 02, 2010


Mude
Mas comece devagar, porque a direção
é mais importante que a velocidade.
Mude de caminho, ande por outras ruas,
observando os lugares por onde passa.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Descubra novos horizontes.

Não faça do hábito um estilo de vida.

Ame a novidade.
Tente o novo todo dia.
O novo lado, o novo método, o novo sabor,
o novo jeito, o novo prazer, o novo amor.
Procure novos amigos, tente novos amores.
Faça novas relações.
Experimente a gostosura da surpresa.
Troque esse monte de medo por um pouco de vida.
Ame muito, cada vez mais, e de modos diferentes.
Troque de bolsa, de carteira, de malas, de atitude.

Mude!
(...)
Sonhe só o sonho certo e realize-o todo dia.

Lembre-se de que a Vida é uma só,
e decida-se por arrumar um outro emprego,
uma nova ocupação, um trabalho mais prazeroso,
mais digno, mais humano.
Abra o seu coração de dentro para fora.

Se não encontrar razões para ser livre, invente-as.

Exagere na criatividade.
E aproveite para fazer uma viagem longa,
se possível sem destino.
Experimente coisas diferentes, troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.
Conhecerá coisas melhores e coisas piores,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento, a energia, o entusiasmo.
Só o que está morto não muda !
Edson Marques
foto - olhares.com